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A Wigan Grand Lodge e a Reafirmação dos Princípios dos Ancients: As 15 Landmarken de 1823

A fundação da Wigan Grand Lodge, em 1823, no condado de Lancashire, Inglaterra, marcou um momento singular na história da maçonaria inglesa. Surgida logo após a união das Grandes Lojas dos Ancients e dos Moderns em 1813 — união essa que deu origem à United Grand Lodge of England (UGLE) —, a Wigan Grand Lodge representou uma tentativa de restaurar os princípios e práticas da tradição dos Ancients, que muitos consideravam ter sido absorvida e diluída na nova estrutura unificada. Essa dissidência não foi apenas institucional; ela teve um forte conteúdo doutrinário, baseado na preservação de certos princípios que os Ancients julgavam fundamentais, os quais foram sistematizados em uma lista de 15 Landmarken.

Essas Landmarken foram posteriormente registradas e analisadas na Coil’s Masonic Encyclopedia (1995, pp. 688–689), e constituem uma das declarações mais explícitas da maçonaria de orientação tradicionalista sobre a natureza da autoridade maçônica, a soberania das lojas e os limites do poder centralizado. Ao contrário de abordagens mais simbólicas ou ritualísticas, como as da Lodge of Promulgation (1809–1810), a lista da Wigan Grand Lodge é eminentemente jurídica, política e institucional.

Abaixo, comentamos os principais aspectos dessa codificação:

  1. A Soberania Intrínseca da Fraternidade – Desde "tempos imemoriais", a maçonaria seria governada por um princípio único de representação perfeita, o que pressupõe uma igualdade essencial entre todas as lojas e o respeito à sua soberania como células fundadoras da Ordem.

  2. Gestão Coletiva e Representativa – A governança da fraternidade é delegada não a indivíduos isolados, mas a um corpo representativo composto pelas lojas registradas e pelos oficiais atuais e passados, sob a liderança do Grão-Mestre. A autoridade, portanto, nasce da coletividade, não da hierarquia.

3-4. Limites da Autoridade Central – A Grande Loja, segundo essa concepção, não pode impor normas sem o consentimento da maioria das lojas. Tampouco essa maioria pode alienar os direitos fundamentais do ofício ao transferir o poder a comissões ou indivíduos. É uma afirmação contundente do princípio de subsidiariedade maçônica.

  1. Eleição e Limitação de Poder do Grão-Mestre – O Grão-Mestre deve ser eleito e não pode agir com poderes despóticos. Sua autoridade é regulada e não autocrática, afastando qualquer figuração de liderança absolutista dentro da maçonaria.

6-7. Fidelidade Condicional e Imutabilidade das Landmarken – A lealdade ao Grão-Mestre e à Grande Loja depende de sua adesão às Landmarken e costumes antigos. Nem mesmo uma decisão unânime da Grande Loja pode alterá-las, evidenciando o caráter axiomático e imutável desses princípios.

  1. Fidelidade Ritualística – A Wigan Grand Lodge rejeita qualquer sistema ritual que tenha sido introduzido após a união de 1813 e que não tenha raízes nas práticas dos Ancients, reafirmando sua postura tradicionalista.

9-10. Limitação da Contribuição Financeira e do Poder da Fraternidade – As contribuições gerais devem se restringir ao necessário para manutenção institucional. Mesmo o conjunto da fraternidade não pode fazer aquilo que é proibido à Grande Loja. Isso aponta para um entendimento claro de limites constitucionais internos.

11-13. Autonomia das Lojas – O mestre eleito deve jurar manter as Landmarken, e cada loja tem o direito de regular seus próprios procedimentos. Ademais, os membros têm o direito de instruir seus representantes antes das reuniões da Grande Loja, fortalecendo o controle de base sobre as decisões superiores.

  1. Transparência Processual – Nenhum pedido ou queixa pode ser retido da Grande Loja, o que garante um fluxo aberto de petições e apelos.

  2. Justiça Fraternal e Proporcionalidade Punitiva – Nenhum maçom pode ser punido sem devido processo. Se alguém acusa injustamente um irmão e não consegue provar sua acusação, sofre a mesma penalidade que teria sido aplicada ao acusado — um princípio notável de responsabilidade ética e justiça equitativa dentro da Ordem.

Esses 15 Landmarken evidenciam um ideal maçônico profundamente democrático e descentralizado, que contrasta com os modelos mais hierárquicos adotados posteriormente por muitas obediências. A Wigan Grand Lodge, ainda que tenha sido uma dissidência de vida relativamente curta (desaparecendo ao final do século XIX), exerceu um papel simbólico relevante ao preservar a memória institucional dos Ancients e reafirmar a centralidade das lojas como guardiãs da tradição.

Essa lista pode ser compreendida como uma espécie de "carta constitucional maçônica", cujos princípios espelham os ideais do liberalismo político inglês do início do século XIX: separação de poderes, limitação da autoridade executiva, e respeito ao corpo coletivo. De modo semelhante ao que John Locke propunha no campo político secular, os maçons da Wigan Grand Lodge defendiam uma organização onde a autoridade nasce do contrato simbólico entre iguais, e não do poder investido por uma cúpula central.

Portanto, as 15 Landmarken de 1823 não apenas reforçaram a identidade dos Ancients, como também deixaram um legado doutrinário que influenciaria várias outras obediências no mundo, sobretudo aquelas com vocação mais democrática ou federalista.

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