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As Landmarken de George Oliver – Entre a Tradição e a Sistematização Moral da Maçonaria

Em 1846, o reverendo e maçom inglês George Oliver (1782–1867) publicou uma importante coletânea de reflexões sobre a história e os fundamentos da Maçonaria intitulada The Historical Landmarks and other Evidences of Freemasonry explained. Esta obra, que se desdobraria em 1863 com a publicação das 52 palestras sob o título Freemason’s Treasury, tornou-se uma referência para estudiosos e maçons interessados em compreender a espinha dorsal da tradição maçônica britânica do século XIX. A influência de Oliver é tamanha que, segundo Nathan A. Shoff (2007), é possível reunir e sistematizar oito Landmarken atribuídos ao autor, os quais encontram eco nas definições publicadas por Robert Macoy em A Dictionary of Freemasonry (New York: Bell 1989; Random House 1990, p. 221-224), onde os landmarks são agrupados em quarenta definições principais.

A proposta de Oliver visa, de certo modo, não apenas manter a tradição oral da Maçonaria, mas também fixar por escrito um conjunto de normas, princípios e práticas consideradas fundamentais, quase imutáveis, ao funcionamento da Ordem. Ao contrário das formulações anteriores, como a da Wigan Grand Lodge (1823), que enfatizavam o aspecto jurídico e organizacional da governança maçônica, Oliver enfatiza o aspecto moral, simbólico e ritualístico, criando uma espécie de manual ético e cerimonial da Maçonaria.

A seguir, apresentam-se os oito Landmarken conforme sistematizados por Shoff, baseando-se na leitura das obras de Oliver:

  1. Abertura e encerramento ritual da Loja – A Loja maçônica deve ser aberta e fechada com todos os rituais específicos, incluindo o telhamento adequado (tiling), a invocação ao Grande Arquiteto do Universo, e a presença formal de oficiais com cargos definidos. Tal princípio reforça a solenidade e a sacralidade das atividades internas da Loja, configurando o espaço como separado do mundo profano.

  2. Os maçons se encontram no Nível e se despedem no Esquadro – Uma das máximas simbólicas mais importantes da Maçonaria. Esta afirmação define a igualdade fraterna dentro do espaço da Loja, independentemente da posição social ou econômica do indivíduo. Trata-se de um ideal de fraternidade radical, embora circunscrito ao interior do Templo.

  3. Não se deve convidar alguém a tornar-se maçom – A Maçonaria, segundo Oliver, não pode ser proselitista. O candidato deve chegar por vontade própria, não motivado por interesses mercenários ou pela persuasão de amigos. A sinceridade da intenção é um valor central, e a liberdade de escolha é parte constitutiva da iniciação.

  4. O candidato deve ser livre de nascimento, de bons costumes e fisicamente apto – Este é um dos Landmarken que carrega as marcas de seu tempo. A exigência de ser “livre e de boas maneiras” remete às tradições medievais dos ofícios (guildas), mas a ênfase na investigação de sua reputação moral mostra uma preocupação crescente com a ética individual.

  5. O processo de proposição e aprovação do candidato deve ser público e formal – A proposta deve ser feita em reunião aberta da Loja, com aviso prévio a todos os irmãos, e a votação somente pode ocorrer na reunião regular seguinte. Tal prática visa assegurar a transparência e a participação de todos os membros na decisão.

  6. O preparo do candidato e os ritos iniciáticos transmitem verdades científicas e morais – Aqui aparece o elemento iniciático na sua plena dimensão. Oliver acreditava que os ritos maçônicos têm uma função pedagógica, veiculando verdades universais sob a forma simbólica, e levando o iniciado a um processo de autoconhecimento e refinamento moral.

  7. O avental branco como sinal de inocência e símbolo do maçom – Um dos símbolos mais distintivos da Maçonaria, o avental branco representa a pureza de intenção e a dignidade do trabalho moral e espiritual que se espera do iniciado.

  8. As provas de laboriosidade no Primeiro Grau – As tarefas simbólicas atribuídas ao Aprendiz Maçom servem não apenas como introdução aos trabalhos da Loja, mas como alegorias do progresso individual no caminho da virtude, preparando o neófito para os graus superiores.

O legado de Oliver mostra-se duplo: por um lado, é um sistematizador do ethos maçônico, e por outro, um preservador da tradição simbólica. Seus Landmarken não buscam a regulamentação jurídica da Maçonaria, como fizeram os grupos anteriores, mas antes a preservação do espírito original da instituição, interpretado à luz da moralidade cristã vitoriana e dos valores ilustrados de seu tempo. Ainda que nem sempre seus princípios sejam adotados literalmente nas constituições maçônicas contemporâneas, seu impacto permanece inegável, especialmente nos ritos anglo-saxônicos.

Cabe também notar que a confusão textual ou bibliográfica sobre “twelve distinct classes” ou “forty landmarks” atribuídas a George Oliver em 1863 pode decorrer de compilações posteriores ou edições não autorizadas. O fato é que Oliver nunca produziu uma lista oficial e enumerada de Landmarken, o que reforça a necessidade de análise crítica ao lidar com fontes maçônicas do século XIX.

Em suma, a contribuição de George Oliver não reside tanto na fixação legal das Landmarken, mas em oferecer um corpo doutrinário coeso, simbólico e espiritual, que orienta os maçons em sua jornada de elevação moral. Sua influência ecoa até hoje nos manuais e catecismos maçônicos, sendo uma das colunas do edifício simbólico da Franco-Maçonaria moderna.

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