Introdução – Em busca das Landmarken perdidas

 

Introdução – Em busca das Landmarken perdidas

No vasto edifício simbólico da Maçonaria, poucas palavras carregam tanto peso e, ao mesmo tempo, tanta indefinição quanto Landmark. No sentido literal, "landmark" designa um marco geográfico, um ponto de referência no terreno que orienta o viajante. No contexto maçônico, contudo, o termo ganha um valor teológico, filosófico, ritualístico — e, por vezes, até dogmático. A questão que se impõe, e da qual este livro parte, é: o que, afinal, são as Landmarken da Maçonaria?

Ao longo de mais de dois séculos, foram propostas mais de 500 Landmarken, divididas em mais de 50 grupos distintos, elaboradas por autores, Lojas e Grandes Lojas de diferentes épocas e geografias. De 1809 a 2013, essa proliferação de tentativas de fixar os "marcos essenciais e imutáveis" da Ordem revela algo que parece paradoxal: se há tantas Landmarken, será que existe realmente uma?

A presente obra não busca apenas compilar as listas conhecidas — como as clássicas de George Oliver (1848), Albert Mackey (1858), Robert Macoy (1869), Silas H. Shepherd (1924), ou os esforços mais recentes como os de Thomas Richert (2010). Mais do que um inventário, este livro propõe uma reflexão crítica, quase arqueológica, sobre a origem, a evolução, a função e os limites do conceito de Landmark dentro da tradição maçônica.

O dilema das definições

Para entender as Landmarken, é preciso confrontar um dilema fundamental: o conceito nasceu antes de sua formalização. Os antigos "Old Charges" de 1723 — documentos fundacionais da Maçonaria especulativa moderna — não falavam de landmarks em termos sistematizados. O termo só começa a ganhar protagonismo no século XIX, quando a Maçonaria, expandida e institucionalizada, sente a necessidade de afirmar suas raízes por meio de princípios supostamente universais e perenes.

Mas aqui reside o problema: o que se apresenta como imutável, muitas vezes é fruto de uma construção histórica tardia, contingente, localizada — e, por isso mesmo, contestável.

Por exemplo, a famosa lista de 25 Landmarken de Albert G. Mackey, publicada em 1858, se tornou um referencial canônico para diversas Grandes Lojas dos Estados Unidos. Entretanto, nem todas a adotaram. Algumas a aceitaram por costume; outras a rejeitaram ou preferiram elaborar suas próprias listas — com três, oito, dez, vinte, até cinquenta e quatro marcos "essenciais".

Como lidar com isso? O que define uma Landmark: sua antiguidade? sua universalidade? sua aceitação majoritária? sua função ritualística ou teológica? Ou seria ela uma construção ideológica, útil para afirmar ortodoxias num momento de crise identitária?

Estados Unidos: 50 grandes lojas, 50 entendimentos

Um panorama das cinquenta Grandes Lojas dos Estados Unidos, levantado com base em fontes como a Masonic Service Association (1983) e a Coil’s Masonic Encyclopedia (1995), revela um mosaico intrigante. Em 1983:

  • 16 Grandes Lojas não possuíam nenhuma lista oficial de Landmarken;

  • 10 adotavam integralmente a lista de Mackey;

  • 7 a seguiam por costume, sem ratificação formal;

  • 13 formularam suas próprias listas;

  • 4 preferiam se referir aos "Old Charges" de 1723 como sua fonte primordial.

Esta fragmentação revela um paradoxo: as Landmarken, que deveriam unificar a Maçonaria, tornaram-se um ponto de diferenciação, de delimitação de fronteiras, de ortodoxia contra heterodoxia. A mesma função que exerce a doutrina nos credos religiosos parece ser atribuída às Landmarken na Maçonaria — e isso levanta a pergunta: não estamos, afinal, diante de uma teologia secularizada?

Uma arqueologia maçônica

Ao olhar criticamente para esse percurso, este livro propõe uma arqueologia das Landmarken. Não no sentido de buscar os “verdadeiros” marcos perdidos da Ordem, mas sim de compreender como certos textos, ideias e tradições foram elevadas à condição de “fundacionais” ao longo do tempo. Afinal, toda tradição é, também, uma invenção — como nos ensina Eric Hobsbawm —, e as Landmarken são monumentos ideológicos que revelam não só o que os maçons acreditavam ser essencial, mas também o que desejavam preservar, excluir ou reformular.

Com isso, este livro não pretende oferecer uma nova lista de Landmarken. Antes, convida o leitor a examinar os critérios, as intenções, as contradições e os contextos que moldaram cada tentativa de estabelecer os pilares inquestionáveis da Maçonaria.

Por que estudar as Landmarken hoje?

Em um tempo de incertezas identitárias e de globalização maçônica, o estudo das Landmarken se torna não apenas relevante, mas necessário. Ele nos obriga a perguntar: o que é essencial na Maçonaria? O que é forma e o que é substância? O que pode mudar e o que deve permanecer?

Mais ainda: ele nos leva a refletir sobre o próprio gesto de "definir". Pois toda definição — como toda demarcação — é também um ato de poder. Definir as Landmarken é, em última instância, definir quem pertence e quem está fora. Este livro, por isso, é também uma meditação sobre os limites da tradição, sobre a tensão entre continuidade e renovação, e sobre o enigma do que significa ser maçom.

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